sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Entenda o conflito entre índios e não índios em Marechal Thaumaturgo

A SOLUÇÃO DOS CONFLITOS ENTRE ÍNDIOS E NÃO ÍNDIOS NO RIO AMÔNIA EXIGE URGENTE AÇÃO INOVADORA DO ESTADO

por Eliza Mara Lozano Costa*

Sei que, numa situação de conflito, falar bem de um lado é sempre, e mesmo sem querer, falar mal de outro. Recentemente escrevi no “Blog do Altino” (leia aqui) um texto sobre os conflitos de moradores do rio Amônia, em Marechal Thaumaturgo, com o grupo Apolima-Arara liderado por Chiquinho Siqueira Arara. Na ocasião, movida pela reação a notícias que apresentavam moradores como “invasores”, pretendi apenas trazer mais informações sobre a região, acreditando poder ajudar na compreensão daqueles conflitos, que pedem urgente ação. Não foi minha intenção posicionar-me “contra a luta dos índios”, conforme comentado recentemente pelo Txai Terri neste espaço. Aliás, registro aqui que, apesar da crítica, me senti até lisonjeada por merecer um comentário do Terri, por quem tenho enorme admiração. Por isso, um debate com ele é mesmo uma honra.

Na verdade, Terri tem mesmo razão ao dizer que, no tal texto do Blog, eu teria assumido o ponto de vista dos moradores da Reserva. Como antropóloga, essa era mesmo a minha tentativa, mas que fique claro: quando falo em “moradores”, falo em índios e não índios, por isso não estou contra lado nenhum. Tentarei ser mais clara dessa vez.

Em 1994, passei alguns meses morando com famílias do rio Amônia, e venho acompanhando desde então a história no local, seja em visitas ou em reuniões eventuais. Por causa disso tenho um enorme carinho pelas famílias - índias e não índias - que tão generosamente me receberam em suas casas. E por esse sentimento, por minha responsabilidade enquanto antropóloga, e pelo respeito pela história recente local é que me senti obrigada a me opor, não aos indígenas ou à sua liderança, e sim a uma visão maniqueísta que me parece estar se constituindo quando se fala nos conflitos na região, dividindo todos em “índios” e “invasores”. Embora essa seja a maneira de expressão dos conflitos atuais, a dicotomia ignora a história local e simplifica a realidade, sem nada ajudar a resolver.

foto Papo de Índio












Seringueiros e agricultores discutindo o futuro da Reserva Extrativista do Alto Juruá em assembléia de 1994

Um pouco da história recente da região

A área que hoje é palco desses conflitos fica na região dos rios Amônia e Arara, afluentes do alto do rio Juruá, englobando parte da Reserva Extrativista do Alto Juruá e do Projeto de Assentamento Amônia. Também faz fronteira com Terra Indígena Ashaninka e a sede municipal de Marechal Thaumaturgo, em acelerado processo de urbanização. Vamos a alguns dados dessa história recente.

Em 1990, foi criada - por um movimento de índios e não índios - a Reserva Extrativista do Alto Juruá. Em 1991 é aprovado em assembléia um Plano de Uso que oficializava as regras para o uso dos recursos e permanência na área, agora sob administração (pelo menos oficial) do Ibama.

O rio Amônia, fronteira oeste da Reserva, já se torna um lugar sui generis: apesar de seus moradores poderem atravessar a pé de um lado para o outro durante quase todo o ano, de um lado do rio passam a existir certas regras para uso das florestas e dos rios, do outro, nada constava.

Em 1986, foi criada a Terra Indígena Kampa do Rio Amônea, dos Ashaninka, partindo da fronteira com o Peru nas margens do alto rio Amônia. Em 1992, inicia-se a saída de várias famílias dessa terra indígena, tanto de moradores índios e não índios. Em sua maioria, essas famílias preferiram permanecer residindo no próprio Amônia, adensando a ocupação que já existia rio abaixo.

No mesmo período é criado o município de Marechal Thaumaturgo, com a sede da Prefeitura instalada na foz do rio Amônia, do lado oposto ao da Reserva Extrativista do Alto Juruá. Rapidamente se inicia a urbanização da sede municipal, com uma política agressiva de construção e distribuição de casas e cargos públicos.

Obviamente, não havia recursos suficientes para a manutenção de todas essas famílias que acorreram para a sede municipal. É então que caçadores, pescadores e madeireiros acorrem em busca de alimentos e de madeira para a construção da cidade, adentrando, não sem muitas brigas, o território da reserva extrativista e da terra Ashaninka, dentre outros.

Em 1996, políticos locais pareciam pensar que os conflitos eram poucos, e acharam por bem criar um projeto de assentamento, justamente no território situado entre a terra Ashaninka, o Parque Nacional da Serra do Divisor e a Reserva Extrativista do Alto Juruá. E um tipo de assentamento estabelecido nos moldes mais tradicionais do Incra, aquele dos pequenos lotes que impedem qualquer economia extrativista, com ênfase na pequena criação de gado, sabidamente inadequados para a Amazônia e muito menos para o entorno de unidades de conservação e terras indígenas. Esse assentamento era, porém, importante para o projeto de “desenvolvimento” dos políticos da época, claramente posicionados contra os movimentos sociais locais, tanto indígenas como não-indígenas. Com isso, novo adensamento no rio Amônia, mais pressão sobre os recursos e, claro, novos conflitos.

O paradoxal aqui é que justamente nessa área, já tão complicada, é que surge hoje esse novo conflito, agora entre índios e não índios. Por quê? Arrisco uma resposta: justamente por causa da dualidade entre a preservação ambiental e a urbanização empurrada por interesses políticos. Políticas contraditórias acabaram produzindo um lugar relativamente acessível aos benefícios de saúde e educação (pela proximidade da sede municipal) e, ao mesmo tempo, relativamente preservado (pela localização entre terra indígena, parque e reserva).

E por que essa área ainda está relativamente preservada?

Mais um pouquinho de história. Até meados da década de 1980, é bom não esquecer, o destino de toda essa região estava determinado: assentamentos agrícolas, fazendas pecuárias e exploração madeireira.

A mudança nesse traçado, também é bom não esquecer, se deve à luta dos índios Ashaninka na defesa incondicional de sua área e do movimento dos seringueiros e agricultores do Alto Juruá – o que incluiu descendentes de migrantes nordestinos e de indígenas sobreviventes dos massacres de início do século passado, que conseguiram conquistar, em paralelo com os seringueiros de Xapuri e Brasiléia, pela primeira vez na história brasileira, o reconhecimento de seus direitos a um território e a um modo tradicional de vida.

Assim, nos últimos anos, muitos moradores da terra indígena, da reserva e alguns também do assentamento - índios e não índios - vêm tentando proteger essa região dos tantos invasores. Mas quem são mesmo esses “invasores”?

O termo “invasor”, localmente, tem vários sentidos. Às vezes é usado quando pessoas “de fora” (especialmente moradores da sede municipal) “invadem” a reserva ou a terra Ashaninka em busca de madeiras, carne de caça e peixe. Entretanto, é muito difícil invadir um lugar com tantos moradores. Na maioria das vezes, isso só é possível com algum apoio: ou de políticos locais, que antes chegavam até a forjar documentos “autorizando” ações predatórias, ou apoio dos próprios moradores, índios e não índios, sempre bem recompensados. Também são chamados de “invasores” aqueles moradores (índios e não índios) que agem de forma contrária ao Plano de Uso da Reserva e mesmo contra os diversos arranjos locais que, embora não escritos, definem localmente regras de moradia e uso de recursos.

A luta contra essas invasões nunca foi fácil. A estratégia Ashaninka foi unir suas moradias na fronteira de sua terra, onde era maior a pressão. Pelo lado da reserva, moradores, índios e não índios buscavam apoios na associação de seringueiros e no Ibama. Ambos chegaram mesmo a ter um papel importante, fortalecendo um grupo de fiscais e agentes ambientais. Apoios intermitentes e que aconteceram apenas por breves períodos.

Se hoje ainda há essa relativa preservação da área isso se deve, quase unicamente, a alguns moradores e os antigos fiscais e agentes (índios e não índios), que aceitaram a difícil tarefa de convencer, quase só com palavras, índios e não índios a usarem os recursos de forma mais controlada, ainda que às vezes mais trabalhosa. E também a convencê-los a não apoiar os invasores de fora, apesar dos bons pagamentos de diárias ou da generosa distribuição da caça e madeira ilegalmente obtida. Muitas e muitas vezes essas pessoas abandonavam suas atividades e famílias para tentar conversar com os infratores, por vezes até parentes e amigos, fazer reuniões, denúncias, correndo riscos de enfrentar discussões, brigas, violências.

Por isso, não foi sem orgulho que os moradores de toda a região, índios e não índios, ao final dos anos 90, comemoravam que, durante aquele período, as ações predatórias vinham diminuindo, as caças estavam mais próximas de suas casas, o rancho estava melhorando.

Qual não deve ter sido a revolta dessas mesmas pessoas ao saberem que deixaram de ser os responsáveis diretos pela preservação de um lugar para se tornarem, de uma hora para outra, os “invasores”. Ou, na melhor das hipóteses, “vítimas”, como expresso na ação civil do Ministério Público.

Nem invasores, nem vítimas

Como é possível perceber, se é difícil saber exatamente quem são os invasores, isso não interessa a ninguém, também não dá para dizer que são todos “vítimas”. A história dali também foi escrita por aquelas pessoas. A reserva extrativista é uma conquista desses todos, índios e não índios, aos quais estou chamando de moradores da região. O projeto de assentamento foi criado, e mesmo sabendo dos riscos, não tive notícias de nenhuma organização contrária a ele, nem tampouco contra a política de urbanização da sede municipal. Todos os seus moradores (incluindo-se aqueles que haviam saído da terra Ashaninka) reivindicaram e obtiveram seus créditos, fizeram suas casas de madeira serrada com teto de alumínio, plantaram suas capineiras para agradar aos técnicos do Incra, mesmo cansados de saber que a formação de pastos é inadequada para as margens dos rios. Da mesma maneira, ninguém acha ruim ter seus filhos perto de si, freqüentando o ensino médio ou o superior, ter um posto de saúde e uma pista de pouso que os leva rapidamente a Cruzeiro do Sul, quando necessário. Enfim, um mínimo de dignidade. Talvez um arremedo daquela sonhada florestania...

E nada disso invalida a luta e o reconhecimento da legalidade do movimento dos indígenas, iniciado por Chiquinho Siqueira Arara, liderança de luz própria, que corajosamente vem procurando fomentar e valorizar os costumes das diferentes famílias indígenas do local, procurando uni-las na luta por um território próprio e diferenciado. Os próprios moradores reconhecem as suas diferentes origens e, a meu ver, não estão questionando a legalidade dessa luta, mas com certeza não acham legítimo serem chamados de invasores, e, assim como os indígenas, só querem seus direitos.

Mas não só direitos à “moradia, alimentação” ou à “assistência”, como exige a ação pública para os assentados, que, como bem lembrou Terri, não se refere aos moradores da reserva.

Penso que, quando os antropólogos definiram os possíveis limites da terra indígena não estavam lidando com um traçado mítico ancestral, nem mesmo com o uso real da terra, mas, muito acertadamente, com o futuro daquela população.

E o futuro que aqueles moradores não índios, tanto na reserva quanto no assentamento, vem construindo? Não, eles não vivem em sua maioria em “situação de miserabilidade”, como afirmado na ação civil. Não estão apenas morando e sobrevivendo ali. Eles estão construindo seu futuro, educando seus filhos e, em alguns casos, numa região com fartura alimentar e abundância de recursos naturais preservados, por eles mesmos, com muitas dificuldades. Alguns ainda hoje tentando manter esses recursos para as próximas gerações, mesmo agora, sem apoio nenhum, nem de Ibama, nem de associação.

Um papo sério sobre o futuro

Lá pelos idos de 1985, seringueiros reunidos em Brasília já lutavam pela “participação no processo de discussão pública de todos os projetos governamentais nas florestas habitadas por índios e seringueiros” e queriam estar juntos na construção de “modelos de desenvolvimento que respeitam o modo de vida, as culturas e tradições dos povos da floresta, sem destruir a natureza e melhorando a sua qualidade de vida”. É o que consta no documento lido por Chico Mendes naquele famoso Encontro de Brasília. É o que os moradores da floresta foram cobrar do Estado, um Estado que acabou por respeitar suas lutas, oficializando as reservas extrativistas, que, apesar do descaso do mesmo Estado, ainda são áreas com alguma preservação no Acre.

Agora essas mesmas pessoas que enfrentaram de frente patrões, políticos e madeireiros na luta por seu modo de vida, que depois ainda enfrentaram seus próprios amigos e vizinhos por um sonho de uma Amazônia preservada, deverão agir como “vítimas” esperando uma solução do Estado - mas qual Estado?

Aquele que pagou uma ridícula indenização aos que saíram da terra Ashaninka? Aquele que esquece que os agricultores precisam viver, proibindo-os de construir e plantar até um dia que ninguém sabe? Ou o que há anos faz ouvidos moucos às tantas denúncias de invasão, desacreditando todo o respeito duramente conquistado pelos moradores que tiveram o sonho de uma região conservada para o futuro?

Penso que o que esperam é um Estado que não os trate como invasores e muito menos como vítimas. Creio que esperam um Estado que tenha a coragem de juntar todos na mesma mesa, que considere o princípio de direito ao contraditório das partes afetadas, todas as populações tradicionais. Um Estado que tenha a coragem para definir de forma efetivamente participativa, os limites adequados e que sejam no futuro uma base de convivência e não uma nova fonte de atritos permanente. Que discuta seriamente as indenizações e outras medidas compensatórias que poderão surgir nesse encontro, medidas que efetivamente promovam não só a moradia e a subsistência, mas um futuro que seja condizente com a história e o futuro que as pessoas vinham tentando conquistar, para suas próprias famílias e para toda a Amazônia.

Uma vez os seringueiros do Acre foram os principais responsáveis por escrever uma nova história na Amazônia, inventando as reservas extrativistas, pondo fim a anos de brigas e violências. Os conflitos no rio Amônia não são um caso isolado. Lutas envolvendo sobreposições de áreas vêm sendo cada vez mais comuns e é um desafio para todos nós. Mas quem sabe não será o Acre que, juntando índios e não índios, Estado e quem mais o seja, terá a coragem de escrever, mais uma vez, uma história capaz de respeitar de verdade a luta e os direitos de todos os povos da floresta? É desse lado que estou.

* Eliza Mara Lozano Costa, Antropóloga e pesquisadora na Resex Alto Juruá, orientanda de doutorado do professor Mauro Almeida, na Unicamp. Página 20, Papo de Índio, 9/12/2007

Tensão em Marechal Thaumaturgo


Demarcação da terra indígena Arara do Rio Amônia revolta brancos assentados pelo INCRA

por Elson Costa, Jornal Voz do Norte, 25/09/2009

Os moradores do Projeto de Assentamento (PA) Amônia, localizado na margem esquerda do Rio Arara, distante 3 horas da sede do município de Marechal Thaumaturgo, se rebelaram contra a publicação de uma Portaria do Ministério da Justiça, que deu posse permanente aos índios Arara do Rio Amônia de uma área de 20.764 hectares, onde está implantado o projeto.

Na tarde de segunda-feira os moradores se reuniram na Câmara Municipal para debater o problema e fizerem refém seis vereadores que participavam da reunião - Antonio, Alemão, Marcos, Antonieta, Ester e Orleildo – além dos secretários de Agricultura, Clemerson Souza e do Meio Ambiente, Isaac Pianko. Mais de 200 pessoas ocuparam o plenário e exigiram a presença de autoridades dos governos estadual e federal para debater o problema.

“Não vamos sair das nossas terras, lá está toda nossa vida. Não queremos indenização e só vamos sair de lá se formos mortos”, disse o líder do movimento, José Carlos, que alerta as autoridades para provocações feitas pelos índios depois que tomaram conhecimento da portaria do Ministério da Justiça, afirmando que na área existem 150 famílias assentadas pelo INCRA, que sobrevivem da agricultura”, disse.


O prefeito Randson Almeida estava em Rio Branco, tratando de assuntos de interesse do município e retornou imediatamente ao município, assim que foi comunicado da situação. Ainda na noite de terça-feira, recebeu na prefeitura o líder do movimento para tomar conhecimento das reivindicações, reconhecendo a complexidade do problema e da decisão dos assentados de manter reféns na câmara os vereadores, além de fechar escolas e a prefeitura.

“Com a publicação da portaria pelo Ministério da Justiça muitas famílias que residem naquele local há mais de 50 anos terão que desocupar á área. A portaria deu a posse aos índios, causando um sério problema ao município que não tem local para alojar tanta gente, principalmente porque a maior parte das terras estão ocupadas com reservas e o Parque Nacional da Serra do Divisor”, disse.

O prefeito acompanhou o desenrolar do movimento e a prefeitura articulou para que os assentados e os órgãos dos governos estadual e federal possam decidir uma forma que não prejudique nenhuma das partes, alertando que são 150 famílias que moram na região, produzindo grande parte da alimentação que abastece a sede do município.

“Não houve uma contestação dos órgãos federais competentes que representavam os assentados e por esta razão o Ministério da Justiça homologou a área conhecida Terra Arara do Rio Amônia, com área de 20.764 hectares, aproximadamente 80 quilômetros, atingindo a área do assentamento onde estão os agricultores, que nestas condições terão que desocupar a área. Mas vamos unir as forças e junto com o governo do Estado buscar uma solução para que as famílias possam se manter nos seus lotes”, disse o prefeito.

Reféns

Os vereadores ficaram detidos e alojados na sala da presidência da Câmara Municipal, dormindo em colchões, apesar de terem sido bem tratados pelos manifestantes. O vereador Orleildo Lopes (PT) entende que os assentados querem que os órgãos do governo federal - INCRA, IBAMA – garantam a segurança e permanência das famílias nos seus lotes. “Estamos bem, precisamos voltar as nossas casas, mas estamos solidários com os parceleiros que não podem ficar prejudicados com a decisão do Ministério da Justiça”, disse Orleildo Lopes.


Projeto de Assentamento Amônia

O Projeto de Assentamento (PA) Rio Amônia foi criado pelo INCRA para atender 150 famílias de produtores da região. Algumas delas moravam na terra indígena Ashaninka, demarcada pelo INCRA. O processo que criou a Terra Indígena do Rio Amônia foi iniciado no ano de 2000 e depois de uma longa tramitação nos diversos órgãos governamentais federais teve sua homologação e publicação no Diário Oficial da União (DOU) em 16 de setembro de 2008 e no Diário Oficial do Estado em 15 de Outubro de 2008. Não havendo contestação ao relatório de identificação e delimitação o Ministro da Justiça declarou através da Portaria no 2.986, de 8 de Setembro de 2009, a posse permanente do grupo Arara a terra indígena do Rio Amônia.

Dona Maritô, parteira da região, afirma que a decisão do Ministério Público não corresponde com a realidade da região, pois os moradores chegaram ao local antes dos que hoje se consideram índios e conseguiram enganar as autoridades. “Sobrevivemos do que plantamos – laranja, mamão, tangerina, abacate, milho, arroz, feijão e todo tipo de frutas – e queremos uma solução para esse problema. As autoridades precisam nos ajudar. Eduquei dez filhos vendendo as frutas que plantamos e nossa proposta é mostrar que esse povo precisa de sua terra. Não vamos sair, queremos mesmo é ficar na nossa terra, não queremos indenização”, disse emocionada.

Secretário de Justiça e Direitos Humanos e assessores do governo garantem apoio a assentados

O Secretário de Justiça e Direitos Humanos do Acre, Dr. Henrique Corinto, chegou a Marechal Thaumaturgo por volta das 16:30 horas da quarta-feira (23), acompanhado do Secretário dos Povos Indígenas, Francisco Pianko e do Assessor da Secretaria de Assuntos Institucionais do Governo, Itamar de Sá e se reuniram com os manifestantes na Câmara Municipal. O prefeito Randson Almeida, o representante do movimento José Carlos, os vereadores, o presidente da Asareaj, o presidente do PA Amônia, Josenildo, também participaram da reunião na Câmara Municipal.

Henrique Corinto explicou que atendendo determinação do governador Binho Marques, já tomou diversas medidas junto ao Ministério Público Federal, autor da ação judicial que contrapôs o processo que estava correndo no Ministério da Justiça e atingiu os parceleiros.

“Imediatamente, depois de ser comunicado da situação pelo secretário dos Povos Indígenas, Francisco Pianko, fizemos contato com o Ministério Público Federal, IBAMA, INCRA e FUNAI, numa primeira ação do governo do Estado contra a portaria. É um problema que está fora da jurisdição do Estado, por isso o governador nos mandou para colocar a disposição de vocês a estrutura política e jurídica do Estado para buscar uma solução. Inicialmente, nosso entendimento é que precisamos escolher seis membros da comunidade para ir à Rio Branco”, disse o secretário.

Henrique lamentou a decisão do Ministério da Justiça que revoltou os parceleiros. “É uma situação que não se resolve apenas numa reunião, mas contamos com o apoio dos deputados federais e do senador Tião Viana. Então, precisamos fazer a escolha dos representantes da comunidade para começar a luta, ressaltando que o governo do Estado vai custear todas as despesas para levar os representantes onde tiverem que se deslocar”, disse.

Henrique Corinto finalizou dizendo que o Governo do Estado fez contato com a direção da FUNAI que já determinou a presença do indigenista Antonio Macedo na região, para fazer um trabalho de conscientização junto aos indígenas e informar que eles não podem forçar a saída de nenhuma família ou morador de sua localidade, porque o processo ainda não foi concluído.

Acordo


Os parceleiros inicialmente não concordaram com a proposta, mas depois de ouvir o assessor da Secretaria de Assuntos Institucionais do Governo, Itamar de Sá, que explicou não haver outra saída para a situação, conseguiu convencer os assentados da necessidade de atender a proposta feita pelo secretário de Justiça e Direitos Humanos, em nome do governador Binho Marques.

“Tomamos conhecimento da situação na segunda-feira (21) e o secretário de Justiça e Direito Humanos já encaminhou documentos aos órgãos responsáveis. Me lembro que vivemos este problema há nove anos. Mas, esta é uma situação mais grave do que as outras. Não vamos conseguir resolver a situação numa assembléia, será preciso um entendimento de várias instituições federais. Precisamos levar o problema à mesa dos órgãos responsáveis para iniciar buscar uma solução”, disse.

Itamar de Sá foi enfático ao alertar os assentados para a gravidade da situação. “Infelizmente a coisa é mais séria do que imaginamos, por isso faço um apelo para que atendam a proposta. Sabemos que vocês não estão satisfeitos, mas a decisão do ministro foi outra e agora precisamos lutar para garantir o direito de todos. Então, é uma situação grave, os senhores e senhoras precisam legitimar os representantes para irem a Rio Branco e o governo vai custear a estadia e alimentação, para discutirem o problema. Depois, eles voltam para apresentar as soluções para todos. Faço um apelo para que aceitem a proposta colocada pelo representante do governo”, finalizou.

O Secretário dos Povos da Floresta, Antonio Pianko, informou aos parceleiros que logo que o governo recebeu a informação do problema já acionou o Ministério Público Federal para garantir que os direitos dos assentados seja respeitado.

“Depois de meia hora que recebermos o telefonema informando gravidade da situação fomos ao Ministério Público Federal porque sabemos como funciona a tramitação. Será uma luta árdua, mas o governo vai garantir as despesas necessárias para deslocamento dos representantes do movimento. O que queremos é somar com vocês, já fizemos varias andanças em Rio Branco e agora vamos começar outras reuniões para poder terminar o processo, mostrar ao Ministro da Justiça que vocês não são invasores.

Vocês não são posseiros e foram assentados pelo próprio INCRA. Então, o secretário Henrique está colocando a disposição do governo em ajudar. Outra coisa que acho ruim é sobre o comportamento dos indígenas com relação aos assentados. Nos antecipamos e alertamos a FUNAI para a situação porque o processo ainda não foi concluído e o indigenista Antonio Macedo já está presente na região e vai visitar a área para dar ciência aos índios que não podem fazer nenhuma provocação aos assentados”, disse.

Os assentados resolveram aceitar a proposta e vão formar uma comissão de 6 representantes do movimento que serão levados à Rio Branco onde vão fazer gestão junto ao Ministério Público Federal, INCRA e IBAMA para mostrar que não podem ser expulsos de sua terra onde há mais de 50 anos sobrevivem do árduo trabalho da agricultura. Os assentados agradeceram a colaboração dos vereadores que passaram 3 dias na Câmara Municipal e também ao governo do Estado pela decisão de prestar assistência política e jurídica para a solução do caso

* Entenda melhor o caso:A SOLUÇÃO DOS CONFLITOS ENTRE ÍNDIOS E NÃO ÍNDIOS NO RIO AMÔNIA EXIGE URGENTE AÇÃO INOVADORA DO ESTADO

Isaac Pinhanta Ashaninka, secretário de meio ambiente, está entre os reféns no conflito de Marechal Thaumaturgo

Tensão em Marechal Thaumaturgo
Demarcação da terra indígena Arara do Rio Amônia revolta brancos assentados pelo Incra
Página 20, 25/09/2009

Os moradores do Projeto de Assentamento (PA) Amônia, localizado na margem esquerda do Rio Arara, distante três horas da sede do município de Marechal Thaumaturgo, rebelaram-se contra a publicação de uma Portaria do Ministério da Justiça, que deu posse permanente aos índios Arara do Rio Amônia de uma área de 20.764 hectares, onde está implantado o projeto.

Na tarde de segunda-feira os moradores se reuniram na Câmara Municipal para debater o problema e fizerem refém seis vereadores que participavam da reunião - Antonio, Alemão, Marcos, Antonieta, Ester e Orleildo -, além dos secretários de Agricultura, Clemerson Souza, e do Meio Ambiente, Isaac Pianko.

Mais de 200 pessoas ocuparam o plenário e exigiram a presença de autoridades dos governos estadual e federal para debater o problema.“Não vamos sair das nossas terras, lá está toda nossa vida.

Não queremos indenização e só vamos sair de lá se formos mortos”, disse o líder do movimento, José Carlos, que alerta as autoridades para provocações feitas pelos índios depois que tomaram conhecimento da portaria do Ministério da Justiça, afirmando que na área existem 150 famílias assentadas pelo Incra, que sobrevivem da agricultura”, disse.

O prefeito Randson Almeida estava em Rio Branco tratando de assuntos de interesse do município e retornou imediatamente, assim que foi comunicado da situação.

* Entenda melhor o caso:A SOLUÇÃO DOS CONFLITOS ENTRE ÍNDIOS E NÃO ÍNDIOS NO RIO AMÔNIA EXIGE URGENTE AÇÃO INOVADORA DO ESTADO

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Agricultores mantêm vereadores como reféns em Marechal Thaumaturgo

por Agência ALEAC, O Rio Branco, 22/09/2009

Cerca de 60 agricultores do Projeto de Assentamento do Rio Amônia, em Marechal Taumaturgo, estão mantendo sete vereadores como reféns na Câmara Municipal. Eles reivindicam a presença na cidade de representantes do Incra, do Ibama e da Funai para esclarecerem o destino de aproximadamente 150 pequenos produtores rurais do assentamento, cujas terras foram reconhecidas e demarcadas como reserva indígena da etnia Apolima Arara, recentemente homologada pelo Ministério da Justiça.

De acordo com o presidente da Câmara, Jamesson Silva Oliveira (PP), os agricultores procuraram os vereadores na tarde de ontem (21) solicitando uma reunião para debater o problema. “Ao final da reunião, às 15 h, eles decidiram nos manter aqui e só prometem nos liberar quando vierem os representantes federais”, explica Jamesson.

O agricultor José Carlos Félix da Silva, de 45 anos, afirma que nasceu nas margens do rio Amônia e só vai sair dali “depois de morto”. Segundo ele, as famílias que vivem no Projeto de Assentamento já foram expulsas de outra área indígena, do grupo Ashaninka, há 22 anos, e ouviram do presidente da Funai na época que aquelas terras não eram de interesse indígena. “Até quando vamos ficar sendo expulsos?”, pergunta Zé Carlos.

A deputada estadual Perpétua de Sá (PT) fez um pronunciamento na manhã desta terça-feira pedindo a intermediação da Assembleia na solução do conflito através da Comissão de Legislação Agrária. A deputada defende a localização de outra área para o assentamento das famílias e o pagamento de uma indenização pelas benfeitorias de cada propriedade. Segundo Zé Carlos, cada família possui lotes de 60 a 100 hectares onde cultivam arroz, feijão, milho, cana-de-açúcar e criam animais.

* Entenda melhor o caso:
A SOLUÇÃO DOS CONFLITOS ENTRE ÍNDIOS E NÃO ÍNDIOS NO RIO AMÔNIA EXIGE URGENTE AÇÃO INOVADORA DO ESTADO


quarta-feira, 1 de julho de 2009

Contexto local

por Leila Soraya Menezes*


O município de Marechal de Thaumaturgo localiza-se no ponto mais ocidental do Brasil, em faixa de fronteira com o Peru, na região do Vale do Juruá, Estado do Acre. O município possui uma área total de 793.412 hectares e uma população estimada em 8.586 habitantes.

GoogleMaps
Cerca de 65% do território de Thaumaturgo foi convertido na Reserva Extrativista do Alto Juruá, na qual habitam 50% da população total do município. 20% da área do município é composto pelas terras indígenas Ashaninka do Rio Amônia, Kaxinawá Ashaninka do Rio Breu e Jaminawa Arara do Rio Bagé, e, juntas, estas três terras reúnem 10% da população total de Thaumaturgo. Mais de 40 mil hectares do Parque Nacional da Serra do Divisor ocupam cerca de 5% das terras do município. E existem, ainda, 26 mil hectares arrecadados pelo Incra nos quais foi instalado o Projeto de Assentamento de Reforma Agrária do Rio Amônia, que assentou cerca de 15% da população do município de Thaumaturgo.

Imagem por Satélite Vista aérea do Município de Marechal Thaumaturgo, nascido onde o rio Amônia faz sua foz, no cotovelo do rio Juruá

Thaumaturgo é, assim, um município com cerca de 80% da população vivendo na área rural e com quase 90% do território formado por um mosaico continuo de áreas protegidas, áreas de grande diversidade biológica e cultural, áreas que são protegidas por políticas públicas de conservação ambiental, preservação da biodiversidade local e reconhecimento dos direitos dos povos da floresta à terra, à proteção de sua cultura e de seu modo de vida.

Thaumaturgo conquistou com luta, com resistência e com o modo de vida sociodiverso de suas populações tradicionais o fato de ser um Município da Floresta.

Foto Leila Soraya MenezesO rio Juruá, de subida

Em sua história, o Município também conquistou muitos amigos, parceiros, aliados da floresta e das populações locais, e que puderam pesquisar e sistematizar muito conhecimento produzido pelas populações que habitam as florestas de Thaumaturgo.


Desde antes de sua criação, em 1992, até os dias de hoje, o Município de Marechal Thaumaturgo, no Estado do Acre, tem podido contar com produções de conhecimento a respeito de sua população, da imensa diversidade biológica de seu território, bem como a respeito da imensa diversidade cultural que também o compõe.

Estes saberes acumulados desenharam o atual contorno e organização do município em um território composto por três terras indígenas e duas outras em estudo, a primeira e uma das maiores reservas extrativistas do Brasil, a Reserva Extrativista do Alto Juruá, a presença de parte do Parque Nacional da Serra do Divisor e, ainda, um projeto de colonização e reforma agrária.

Foto Leila Soraya Menezes Rio Bagé, Cacique Antônio Jaminawa

Assim, nos marcos territoriais e de organização política do município, têm sido gerados conhecimentos socioambientais por vários atores sociais, organizações governamentais e não governamentais, locais, regionais e nacionais:

- saberes acumulados pelas lutas e conquistas locais (que levaram ao reconhecimento dos direitos de proteção e conservação da bio e sociodiversidade e à demarcação das áreas protegidas: Reserva Extrativista, Parque Nacional, Terra Indígena e Projeto de Assentamento de Reforma Agrária)

- saberes acumulados pela diversidade cultural local (índios, seringueiros, ribeirinhos, trabalhadores rurais e a população local em geral, com seu conhecimento tradicional acumulado por seu modo de vida tradicional)

Foto Leila Soraya Menezes O rio Bagé

- saberes acumulados pela produção de conhecimento convencional (pesquisas acadêmicas, dissertações de mestrado, teses de doutorado e monografias de especialização sobre a política, a cultura, a história, o desenvolvimento institucional, a população e os recursos ambientais locais em geral)

- saberes acumulados pela produção de conhecimento gerado por organizações não governamentais (etnomapeamentos, diagnósticos socioambientais e ampliação de capacidades locais em agrofloresta, educação, saúde, gestão e gerência institucionais)

- saberes acumulados pela produção de conhecimento gerado por organizações governamentais (censos, pesquisas de monitoramento de produção e de proteção ambiental, cadastros de populações tradicionais e de seu modo de vida, planos de manejo e planos de uso das áreas protegidas locais etc.)

Foto Leila Soraya Menezes Foz do rio Amônia no rio Juruá, porto de Thaumaturgo

A Secretaria de Meio Ambiente e Turismo de Marechal Thaumaturgo, tanto na gestão de Benki Piyãko Ashaninka (2005-2007) quanto na gestão do atual Secretário de Meio Ambiente, Isaac Pinhanta Ashaninka (2009-), se determinou que a implementação de suas ações parta desses conhecimentos já acumulados, particularmente os acumulados pelas próprias comunidades rurais e urbanas do Município de Marechal Thaumaturgo.

O Secretário Isaac Pinhanta Ashaninka, à frente da Secretaria de Meio Ambiente e Turismo de Thaumaturgo, entende que as conquistas do Município, hoje, impõem o desafio de sua gestão. E a gestão que procura é a gestão que dê sustentabilidade às conquistas, à floresta e aos recursos naturais da terra. Uma gestão sustentável, que conte com a participação das comunidades que compõem o município e parta dos conhecimentos, tradicionais e acadêmicos, gerados e acumulados nos últimos anos por moradores e amigos.

* Leila Soraya Menezes, formada em Psicologia com especialização em Resolução de Conflitos Socioambientais, é autora da monografia "Desenvolvimento Sustentável em municípios com áreas protegidas: o caso de Marechal Thaumaturgo, Acre" (UnB/CDS, 2003)